Quando você ouve o trabalho do Luis e do Marcelo parece que está ouvindo algum tipo de anti-música, a princípio. Porque se você faz música e vai se aventurar a gravar um CD você começa a se deparar com expressões, termos, cálculos e medidas que você não fazia ideia que poderiam ter alguma relação com música. Coisas como o tamanho ideal da música para que ela possa tocar nas rádios, tendência, isso vende e isso não vende, produto, mercado, etc.
             Então, quando ouvi na mesma situação de blake, tive a impressão de estar ouvindo uma anti-música, uma música inventada. E inventada sem o auxílio de nenhuma cartilha, nenhum roteiro ou fórmula. Sem nenhum dos termos, cálculos e medidas que citei anteriormente. Já nos primeiros compassos da primeira música, "Derek Jarman", me senti meio sem chão: é poesia musicada ou uma música que naturalmente é uma poesia? É ácido ou meus ouvidos é que estão preparados para descobrir banalidades? É música ou é livro? É som ou é atuação?
             Não se trata de música nova nem de música velha. na mesma situação de blake é música sem época, sem data, sem medidas e, principalmente, sem medo. 

Alexandre Elias (músico, compositor e arranjador)


             A arte, como forma de expressão e como representação da sensibilidade, é, assim como o próprio espírito humano, dinâmico e em eterna evolução. Sem fugir à regra, a poesia e a música caminham lado a lado, sempre dinâmica e evolutivamente.
             É assim que vejo o trabalho de Luis Maffei e Marcelo Gargaglione, do qual tive e tenho o prazer de participar. Como instrumentista, fazer parte deste projeto foi um acréscimo (mais um) a minha vontade de aprender, crescer e evoluir com um grande e significativo aprendizado: este projeto me proporcionou experimentar, através dos arranjos de Maffei e Gargaglione, sons, com a percussão, que abriram novos horizontes, tanto em relação a minha própria música como também à forma de execução, além de ter tido uma grande satisfação com os resultados alcançados.
             A interação entre a música e a poesia dos dois compositores orienta para uma sofisticada orquestração, onde os variados naipes instrumentais, sem dúvida, poderiam, de fato, ter em suas características sonoras papéis de enorme destaque. Entretanto, Gargaglione e Maffei optaram por uma visão mais sintética, porém não menos rica, no trabalho, concentrando sua sonoridade em um quarteto, apenas num quarteto, composto por um violão exercendo uma base harmônica que insinua caminhos e combinações bastante diferentes do convencional, de forma bem avançada; uma guitarra explorada amplamente em seus recursos técnicos, e, assim como o violão, de forma bem particular, dando um forte tom inusitado de personalidade artística ao trabalho.
             A voz é executada na região médio-aguda, o que, além de dar vida à poesia, acrescenta à harmonia do violão e à sonoridade marcante e personalizada da guitarra timbres melódicos ousados e quase heroicos às palavras, já que a distância dos intervalos musicais, em alguns momentos, é espaçosa e de difícil execução. A percussão completa a síntese poético-musical, com ritmos e timbres característicos e outros tantos nada convencionais, interferindo de forma a fortalecer a tão diferente e moderna concepção artística.
             Em relação à percussão, minha área, devo acrescentar que, embora a proposta seja, digamos, de vanguarda, não se deixou de lado a sonoridade brasileira no trabalho, e que, para a minha satisfação pessoal, a contribuição dos tambores, acredito, foi bem significativa.
             Assim, com a satisfação de ter contribuído para um trabalho autoral moderno e bem elaborado do ponto de vista artístico, e que, acredito, poderá contribuir na busca de novos caminhos para a poesia e a música, espero que este esforço em realizar algo inédito na arte toque a sensibilidade das pessoas e estimule a reflexão, e, quem sabe, a esperada evolução humana.

Luizão Bastos (músico, participou do disco na mesma situação de blake)


             O mais evidente neste trabalho é, de fato, a criação, a criatividade; e por que não falar sobre recriação, renascimento da música e da arte?
             O ponto de partida do ensaio fotográfico foi, justamente, recriar, com um diálogo direto, a criação de Michelangelo (o detalhe do teto da Capela Sistina). O resultado foi a capa do disco na mesma situação de blake.
             A partir daí foi trabalhada, no ensaio, toda expressão espontânea, também presente no trabalho musical da dupla, e uma criação sofisticada de imagens. Tudo neste ensaio gira em torno de expressões imagéticas do processo inventivo, da criação. As mãos como parte operária da criação, as cabeças unidas significando o que há de mais sofisticado nesse trabalho e, por fim, a declaração da música como arte. A escolha do preto e branco para as fotos deve-se à necessidade de dramatizar e alcançar o clima das peças feitas por Gargaglione e Maffei.
             A música feita por esta dupla é algo incrivelmente provocativo mas, ao mesmo tempo, dá margem a uma identificação quase visceral. Digo isso como ouvinte e admiradora de por exemplo, “derek jarman” e “a piaf”, não só sugestivamente poéticas mas com o uso de fato de poesia como uma espécie de prólogo.
             Fico muito satisfeita por dar cara a esta música tão completamente inovadora e deslumbrante.

Mariana Vilhena (fotógrafa, autora do ensaio fotográfico do encarte do disco na mesma situação de blake)


             Gravar esse disco não foi uma tarefa fácil, sem dúvida é um disco de alta qualidade musical; as músicas são difíceis de se executar e isso me ajudou bastante como músico, pois no decorrer dos ensaios cresci e aprendi muito com esses dois músicos, não só no lado profissional como no pessoal. É com grande prazer que eu faço parte do projeto de Marcelo Gargaglione e Luis Maffei.

Michael Machado (músico, participou do disco na mesma situação de blake)


             na mesma situação de blake tem alta qualidade técnica e criativa. Faz-me lembrar, por vezes, a atonalidade dos músicos de Viena, Schöenberg, entre eles. Lamento um pouco que as palavras não sejam mais perceptíveis, embora me pareça que, para os autores, nem sempre é muito importante que o sejam.

Gastão Cruz (poeta português)


             Carta a Marcelo Gargaglione e Luis Maffei ou Para não dizer que não ouvi “Araçá azul”
Prezados Músicos:
             Quando eu era menino, eu era gago. (Não mais, mãe, não mais; só quando quero). Hoje, há mais de 30 anos, sou professor de literatura. Tudo o que eu disser agora é perigosíssimo. Eu nada entendo de música. Mas adoro poesia e ritmo. Para ser mais preciso: ensino a ler e a gostar de poesia. A gagueira, diz a ciência, é “um distúrbio no ritmo da fala”. Ninguém é gago de nascença. A prática da linguagem, como experiência dolorosa do e no tempo de vida, ensinou-me a ser um gago interessado, não pela quebra-línguas otorrinolaringologia, mas sim pela sabedoria, ou melhor, pelo cancioneiro popular sobre a gagueira. Todo gago pode ser um grande cantor. Nelson Gonçalves, por exemplo. Noel, literal e simbolicamente, deu foros de natalidade a essa opção limite do gago, do seu “gago apaixonado”: cantar, porque mais do que poder falar, por não querer entrar mudo e sair calado. Apaixonado, cantado em prosa e verso, o gago de hoje é um respeitável senhor de 40 anos, desafiando (quero dizer), “desafinado”, renascido no tom de Jobim & Vinicius & Gilberto, num clássico das nossas faculdades e dificuldades sonoras: “se você disser que eu desafino amor...” Saibam, meus jovens músicos, que eu, por vivência partilhada, vacilo, quer por precipitação, quer por retardamento, na emissão dos fonemas escritos e falados. Gosto do CD. Por traição anunciada, apuro-me em ser um bom leitor do objeto gravado. Do nome: na mesma situação de blake. Assim mesmo, repito, letras minúsculas, em tom menor. A fotografia da capa, as mãos, em preto e branco e com sombra, os dedos, da esquerda, o indicador, que se dirige para os da direita, que se entreabre, quase “na mesma situação de adão e o criador”, copiando “A criação de Adão”, segundo Michelangelo. Tudo na língua é repetição. Gagueira e citação, indistintamente. Gargaglione & Maffei. Atento às informações icono-gráficas nos quatro cantos da caixa de plástico, vejo-os entretempos: de costas e de orelha ap(r)ontada para nós. Pela atenção à tradição, na sua música, na referência erudita, há uma composição (o)usada dos clássicos, recitados desde as Songs of innocence and experience, de Blake, ouvidas em Fiama Hasse Pais Brandão, aos poetas a serem de novo tocados pela música que há em poesia, arranjada pelo toque genesíaco e genial do humanista italiano.
             O programa de executar música sob a batuta de versos dá a “a piaf”, quinta faixa (ao todo, sete), nas pancadas da guitarra semi-acústica (Michael Machado) e, sobretudo, na garganta aguda de Gargaglione, a expressão adequada à afinada voz “canalha e rouca” de Edith Piaf, nos versos de Jorge de Sena, musicados com requintes de percepção, em que a identidade de Maffei - compositor, músico, poeta e professor de literatura - deve ser sublinhada. Seguindo o espírito da cena parisiense homenageada, é uma valsinha, anunciada e rematada pela voz do próprio Sena, que lê um outro poema de sua autoria, “Madrugada”. Vozes entrecortadas pelo som “cruel, frenético e exigente” (Cesário) da guitarra, na faixa seguinte, a mais longa (23 minutos) dos registros, cujo intervalo entre uns e outros é, às vezes, mais e, às vezes, menos perceptível. Tudo de acordo e de acorde com o desconcerto moderno do barulho urbano, onde uma coisa não é absolutamente o contrário da outra e o que se diz de própria voz pode estar-se repetindo num ruído de coisa anteriormente escrita ou dita. Embora Marcelo seja o cantor por excelência na gravação, Luis empresta voz a “a menina morta” (última faixa, marcada por uma bandinha “rock” e um samba batidinho, que volta a atenção despercebida ao timbre de um certo Chico de “construção” e seleção na faixa anterior), os dois fazem coro em “a piaf” e multiplicam o canto na bela interlocução repartida por “todos os fogos o fogo”; o primeiro (Prometeu), o outro (Hermes).
             É assim que ouço, outra vez, uma nova batida diferente, que tenta harmonizar a complexidade da voz humana e o caráter experimental da criação poética à sirene contra/a favor da morte por crime ou chama ou acidente ou um estampido, longínquo, de “jazz” (“rio branco” ou Glauber e o sertão virado mar?); ao toque de marcha-soldado, um requiem e um “rock” na voz esgarçada de Marcelo sobre Montale (“um outro”, José e Drummond?); ao dobrar distante dos sinos (“vertigo”, Arrigo e Hitchcock?); à minha memória visual-sonoro-afetiva, em que, num estado sinestésico, volto ao início, para ouvir, na interpretação de Marcelo (cantor) e de Maffei (leitor e autor) o poema de abertura, “azul” (derek jarman, creditado, em caracteres menores) e para adiar, mais uma vez em tantos anos, “dali”, a audição de “Araçá azul”.
A 26 de setembro de 2005,

Jorge Fernandes da Silveira (Professor Titular de Literatura Portuguesa da UFRJ)


             na mesma situação de blake inova nos arranjos, nas combinações de timbres e na forma de apresentação de um conteúdo poético-literário muito rico. Por esses motivos, me senti privilegiado em poder colaborar com este belo trabalho.

Ricardo Calafate (músico, compositor, técnico de gravação, mistura e masterização do disco na mesma situação de blake)


             Quando me foi solicitado um comentário sobre este disco, eu sabia que não teria uma tarefa fácil, pois sou um músico tonal/modal, apesar de conhecer Arnold Schoenberg e seus discípulos Anton Webern e Alban Berg. Este disco assusta os ouvidos comuns, acostumados com a fácil e banal audição que vem do rádio nos dias de hoje, foge totalmente daquilo que se chama "padrão de mercado" estabelecido pelas gravadoras. É um trabalho que, apesar de conter fortes traços de serialismo, consegue de uma forma inteligente mesclar variados rítmos e compassos dentro de uma mesma música, alternando música vocal, instrumental e instrumental/vocal, além de inserções de textos poéticos, criando uma diversidade muito grande de nuance e dinâmica musicais.
            A voz de Marcelo Gargaglione, cheia de personalidade e com um timbre agradável, se encaixa perfeitamente na proposta, ao lado dos músicos de muito boa qualidade que participaram deste disco. É um trabalho que definitivamente não é endereçado aos populares ouvidos brasileiros, acostumados(infelizmente) a ouvir música de baixíssima qualidade.
             Parabéns a Marcelo Gargaglione e Luis Maffei por essa proposta musical sui generis.

João Ataide  (músico e arranjador)


Todos os afagos o fogo
             Não sei exatamente o que dizer neste texto que já não tenha dito em “Música Utopia”, uma espécie de manifesto crítico a favor do excelente trabalho de Marcelo Gargaglione e Luis Maffei. Posso iniciar com uma pergunta retórica, recurso velho e útil, num momento de poucas ideias novidadeiras: o que é arte? O que é entretenimento? Respondo de forma simplória que arte é problema e entretenimento é resposta. A sociedade ligeira não quer perguntar nem responder, por isso abomina o “problema” e conseqüentemente abomina problematizar.
             Nesta selva de lugares comuns, em que canibais usam talheres de prata para retalhar a matilha incauta que adora ser “boi de piranha” da indústria de entretenimento, não se pode esperar compreensão imediata a uma proposta verdadeiramente arrojada. Qualquer iniciativa mais complexa, mais problematizadora, reflexiva e inteligente, é encarada como pedantismo e tachada de chata. Chata costuma ser a percepção do público e de quem o manipula para a redundância e a repetição travestida de arte. Achatada como panqueca é a visão das majors da indústria fonográfica e do circo midiático, incapazes de reconhecer um produto verdadeiramente artístico.
             Escuto a música de Gargaglione e Maffei com comoção e revolto-me com a marginalidade deste trabalho. Se for bem acolhido pelo público, que segundo minha modesta definição “é aquilo que nasce dois minutos antes da inteligência”, receberá o rótulo de cult, uma palavra inglesa que em nosso idioleto já não significa muita coisa. Mas esse exercício de dissonância, atonalidade e ruptura não é cult, é culto. Culto do latim cultus, “colher”, “cultivar”. E também culto no sentido de remeter a um caráter de audiência e atenção religiosa a sua configuração. Culto porque referencial híbrido e talhado de leituras e comunicações intercambiáveis, intercambiadas, que pressupõem maior olhar e audição para o que emerge de suas entranhas. Trata-se de uma música difícil de se acompanhar porque caminha como uma ambulância na contramão das chamadas telefônicas. Provém de um material rico e admirável a obra musical de arranjos tortuosos e incômodos de Gargaglione e Maffei. Trata-se de um trabalho maldito porque nasce num tempo amaldiçoado pela modorra intelectual e pela mordaça capitalista que exerce uma censura branca às ideias verdadeiramente indispensáveis e ululantes contra a monocórdica ladainha cômoda e alegre das vacas sagradas. A música de Marcelo Gargaglione e Luis Maffei aspira um açougue para tais vacas sagradas. Não quer o aplauso fácil nem o público, quer almas. Mas isso anda difícil hoje em dia, pois ousadia é um termo aplicado à nudez de alguma celebridade instantânea, presente numa revista “pornô-chic”. Gargaglione e Maffei produzem uma música que não quer afagos porque a sabem fogo.

Alílderson Cardoso (Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ)