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Entrevista de Luis Maffei a Sebastião Edson Macedo

 

SEM: Como você articula a situação de Blake? Qual é a situação de Blake dentro de teu disco e fora do teu disco? Enfim, qual é a situação de Blake?


LM: Quem poderia responder melhor a esta pergunta seria o poema da Fiama, é claro, e aí o trabalho de leitura meu é da Fiama, não do Blake. Os versos que contêm este sintagma são “Sobre a colina tradicional, sendo a tradição um único/ tempo, estou na mesma situação de blake”; então, talvez seja por uma perspectiva mesmo tradicional, e a tradição como aquilo que se pode incorporar a uma ideia de, quem sabe, marginalidade, na medida em que o Blake era uma figura fora de seu próprio tempo. Mas certamente há uma ideia de deslocamento de tempo: o Blake é uma figura muito do nosso tempo.


SEM: E nessa medida você coloca o teu trabalho dentro de uma tradição da música.


LM: Certamente.


SEM: Você pode falar um pouco desta tradição?


LM: Posso. Talvez você pudesse falar melhor que eu, talvez um outro pudesse falar melhor que eu, mas posso. Eu não sei se é uma tradição da música, mas é uma tradição das linguagens, dentro da qual se insere a música, dentro da qual se insere a poesia e tudo o mais. É por isso que este é um trabalho, como alguém já disse, imensamente referencial. Neste sentido, é aí que se convoca o Blake – por via segunda, porque é a Fiama quem o convoca – , mas se convoca o Jorge de Sena, e o Derek Jarman, e se convoca o Montale, e se convocam outros tantos...


SEM: E o Verdi...


LM: ... e o Verdi, e o Wagner, e essa gente, para que se estabeleça talvez uma espécie de possibilidade contemporânea de tradição, ou seja, a tradição é como um tempo determinante, sem dúvida, mas sobretudo um tempo na medida da sua leitura, na medida da sua recepção. No fim das contas, o que está aí não é a Fiama, nem é o Blake, nem é o Verdi, nem é o Montale.


SEM: Em que medida esta tradição, da forma como você a coloca, é, por um lado, um cerco que funcionaria, ao mesmo tempo, como defesa e cartão de visita, e em que medida você busca, na verdade, atualizar, ou também atualizar, todos esses legados?


LM: Não sei. Você fala de cerco e eu penso em chaco, a tradição como um chaco, que não é lugar encharcado, mas sim lugar de caça: esta música é um lugar de caça. Se isto é defesa... a caça é uma defesa da própria sobrevivência...


SEM: É uma música que procura?


LM: É uma música que procura, que se procura. Mas é uma música de sobrevivência, em certa medida. Se eu pensar na tradição como um chaco, e não um cerco, a tradição é aquilo que se oferece à caça: esta música caça.


SEM: Caça ouvintes?


LM: Não, caça-se a si própria, mesmo que essa caça seja para fora de si. Não sei se caça ouvintes. Mas, se a caça é um cerco, dada sua própria defesa de sobrevivência, tudo bem, a caça pode ser um cerco.


SEM: Então não se trata de uma atualização...


LM: Não sei se se trata de uma atualização. Talvez se trate de uma contemporaneização, não sei. O fato é que a Fiama reaparece neste momento por causa do que eu penso disso, e você se lembra da “Hora obscura”, não é?: “Por muito que a minha escrita decalque as páginas de fernando pessoa/ eu digo numa fissura do verso uma outra coisa”: é exatamente isso.


SEM: Existe, então, um propósito de literalidade.


LM: Sem dúvida nenhuma, e é por isso que alguém pode dizer, como alguém disse, que este trabalho é enxergável, não necessariamente como uma condição mas como uma hipótese, como uma glosa de quase uma hora e dez minutos de duração do poema da Fiama que presenteia ao disco seu título, um poema que começa com “Este amor literal”, e cujo penúltimo verso começa com “Tudo o que disse até agora com literalidade”.


SEM: Sobre esta questão da literalidade, eu queria que você falasse sobre até que ponto você a trabalha no teu texto sabendo que a música já é, em si, uma linguagem literal, ou seja, ela é o que ela é...


LM: A música é só música, sabemos...


SEM: Como é possível trabalhar a literalidade sabendo que você já a tem na música como um dado inerente a esta linguagem?


LM: Mas isto não é só música. A música é só música, como o Jorge de Sena nos ensinou, mas isto não é só música, é qualquer coisa que passa, talvez, por uma possibilidade da própria canção, sendo que este não é um disco de canções, mas pode passar, por outro lado, já que não é um disco de canções, por uma hipótese operística, mas o fato é que é uma música com texto. E a música, quando tem texto, não é só música, torna-se uma espécie de hibridismo. Como este trabalho não possui só textos cantados, mas também textos falados e textos referenciados, talvez aí possa residir uma tensão significativa, um fornecimento de sentidos em estado de relação. Ou seja, a música como aquilo que absorve o que não é próprio da música, que é a literalidade da outra coisa.


SEM: Uma coisa curiosa na tua música é que qualquer interferência externa que ocorra durante a audição é dragada: se o telefone tocar, se a campainha tocar, se um avião cair, a tua música draga tudo isto...


LM: Então é uma música do mundo?


SEM: Eu que pergunto: seria uma música do instante, uma música que acompanharia o presente, que se presentifica?


LM: Não sei se é, mas eu acho que ela tem vontade de ser. E neste sentido é uma música histórica. E neste sentido é tradicional.


SEM: E neste sentido é uma caça.


LM: E neste sentido é uma caça no chaco da tradição. Eu adoro chaco. Chaco é seco, não nos esqueçamos disto.


SEM: Você falou dum hibridismo, e eu já tinha pensado nisso antes mesmo de nossa conversa. A tua música levanta questões inquietantes sobre uma possibilidade de enquadramento de gênero, sobre uma tipologia – a que tipo ela pertence... – , e eu queria saber como você pensa tua música em relação a uma possibilidade de hibridismo tipológico, hibridismo de gênero, e se isso tem algo que ver com miscigenação cultural, influências... e que encaminhamento isso tudo tem?


LM: Miscigenação sugere tanto uma hipótese brasileira...por aí não. Miscigenação como uma atitude caçadora talvez seja um refrão interessante sim, claro que sim. Hibridismo como a única possibilidade desse tempo, claro que sim, e talvez eu só diga isso porque eu não entendo meu próprio tempo. Mas se eu tentar entendê-lo, eu não posso passar senão pelo hibridismo. Neste sentido, estamos diante da impureza: não é uma música que queira ser só ela própria, pois a música é só música, sabemo-lo, e esta música não é só música. Ela é, portanto, uma tentativa, mas não sei se de compreensão da realidade: não estamos encadeirados diante do século, mesmo porque este século é invisível, ele não se permite ser visto senão como espetáculo, senão como uma seqüência de eventos; o Guy Debord entendeu isso muito bem já no século anterior a este, que talvez seja, no fim das contas, o mesmo.


SEM: Pegando este gancho, eu te pergunto: em que medida então você negocia com uma impossibilidade de recortar o caos?


LM: Talvez não recortando. Isso é interessante porque pode se adequar à tua leitura – que é tua, insisto, e não minha, mas é boa, e decerto é boa porque é tua – de que esta música draga, recolhe, pisca o olho para aquilo que está fora dela, tanto aquilo que está fora estando fora como aquilo que está fora estando dentro, como o telefone, como a buzina: a buzina está dentro de “rio branco”, efetivamente, a buzina está fora, por outro lado; enquanto ouve esta música o ouvinte pode se deparar com uma buzina, enfim. Então eu não sei se há um recorte do caos, e talvez a ideia de recorte nem seja, no caso sobretudo do disco, tão procurada assim, já que as próprias faixas se organizam como se organizam.


SEM: Mas eu pergunto duma negação desse corte, pois ele se dá como impossibilidade, por um lado, e, por outro, tua própria música se estrutura como partitura, como projeto, com ordem, e essa ordem é, quanto mais atentos estivermos, mais depreensível.


LM: E aí é um trabalho de audição, um trabalho atento de audição. Quiçá pílulas da ordem, ou a ordem que só se mostra num momento seguinte.  Pronto, esta pode ser não uma música do instante, mas sim dos instantes. É bom pensar assim, mas você pensa melhor que eu, seguramente.


SEM: Você falou agora há pouco sobre uma invisibilidade do tempo presente, do mundo...


LM: Em termos mesmo de imagem.


SEM: .. em termos mesmo de imagem. Entretanto, a tua música tem uma hiperplasticidade...


LM: Talvez por isso mesmo...


SEM: .. e talvez uma forte carga dramática, teatral, que impõe uma impressão gestual na audição, principalmente do trabalho de voz. Queria que você falasse um pouco sobre isso.


LM: A hiperimagética pode ser a própria assunção da impossibilidade da imagem, ou da imagem via uma tentativa de organização daquilo que se recorta para o olho, ou mesmo a impossibilidade do quadro neste mundo, neste tempo... não sei bem do que estou falando. Mas a questão da voz é uma questão com alguns níveis. Este é um trabalho que tem alguma voz falada, ...


SEM: E alguns registros também...


LM: ... portanto, esta voz falada é aquilo que se coloca num espaço um bocado exterior à música, ao canto. Mas existe o canto, é claro que existe o canto, e este canto terá que ser um canto eventualmente dócil, na medida do possível, e eventualmente agressivo, já que estamos falando de hibridismo. E é claro que essa agressividade é aquilo que o Marcelo procura como cantor, e eu procuro como alguém que, de algum modo, lhe propõe coisas e negocia com ele uma direção. E é alguma coisa procurada pelo instrumental, que dá o braço ao canto mas também retira este braço. Portanto existem certas linhas, eu não sei se paralelas – não sei se é o melhor termo –, que se encontram em estado de acordo e, às vezes, em estado de tensão, ou mesmo de recusa; este instrumental não se quer tão-somente o estabelecimento de uma hipótese para o canto, mas quer impor-se ele próprio, ainda mais se pensarmos que este trabalho,  se não é tão música assim, às vezes é música à beça, pois é composto, mais ou menos em seus quarenta por cento, de partes exclusivamente instrumentais.


SEM: Eu peço que você cite um momento dócil e um momento agressivo desta música.


LM: Um momento dócil exemplar certamente é uma certa violência que fizemos ao poema do Sena, que é composto de duas estrofes, uma longa e uma curta, e cada uma delas é totalmente feita em enjambement. O final da primeira estrofe, a longa, transformamos em uma espécie de refrão, na medida em que a repetimos, e o momento em que existe um coro na volta deste refrão é um momento não só dócil como seniano, pois ali se canta alguma coisa mundana no sentido mais bonito em que se pode ser mundano. O contrário disso é o outro poeta que aparece de forma mais longa neste disco, que é o Montale, quando o canto se torna um grito, se torna algo perto do impossível para a música, que é a desafinação mesma.


SEM: Perto da deformação...


LM: Perto da deformação. E existe um outro exemplo que é o momento em que Marcelo e eu cantamos “palavrio” em “A menina morta” e o vocábulo que começa cantado termina gritado.


SEM: Neste sentido vocês se aproximam bastante da estética expressionista, pois vocês deformam, hipercondicionam o aspecto formal em detrimento do que está sendo trabalhado como conteúdo.


LM: Mas esta é uma separação falsa, forma e conteúdo, não só neste trabalho...


SEM: Eu não as vejo separadas em teu trabalho.


LM: Em nenhum trabalho. Este didatismo secundarista que é separar forma de conteúdo é estupidificante, pois estamos no terreno da linguagem. Bom, se estamos no terreno da linguagem, façamos música, poesia ou pintura, estamos no terreno da forma, e conteúdo é água em copo de cristal, o resto é outra coisa. Então essa fronteira não há nem pode haver, nem pode haver nem há, veja bem, não é uma bandeira que eu levanto, é uma detecção. Além do mais, o conteúdo – o que no caso da linguagem musical se torna absolutamente agudo e incontornável – da música é ela própria, e aqui voltamos àquela questão, a música não é nada mais do que ela mesma. E ela é forma.


SEM: Ainda sobre as linhas melódicas: você acredita que, nessa possibilidade de audição dócil, ou audição agressiva – do que está sendo expresso ou como dócil, ou como agressivo – , pode haver um escape do controle proposto por esta própria música, isto é, a música pode criar uma dramaticidade e essa dramaticidade gerar outra?


LM: Tudo bem, pode.


SEM: Isso é trabalhado no disco como algo voluntário, como algo conseqüente... ?


LM: Conseqüente, decerto, e disso, de novo, você tem mais a dizer que eu, ou que o Marcelo. Este é um trabalho de audição, não é? Nesta medida, o que eu posso dizer talvez seja que não existe tão-somente a doçura ou a agressividade, e a doçura no seu espaço e a agressividade em outro; existe uma intercambialidade entre essas posturas, e é por isso que essa música nossa talvez seja –eu estou falando de minha própria música, o que pode ser desconfortável porque estou falando do que deveria ser um efeito de recepção... mas se eu me puser no lugar do receptor, eu poderia dizer que é uma música que não permite a acomodação, no sentido quase geológico: ah, diria o ouvinte, isto é dócil e isto o será ao menos até o final desta faixa. Não é assim. Ou, ah, isto é agressivo, vou mudar de faixa porque a outra pode ser que não seja. Tampouco é assim.


SEM: De qualquer forma, a experiência melódica é sobretudo uma experiência de que há perdas nesta melodia: às vezes ela não é totalmente perceptível, às vezes ela tem essas mudanças imprevisíveis, e qualquer previsão se configura como perda, etc. Que você comenta sobre essa possibilidade de perda da melodia no interior da música?


LM: Mas uma melodia, pergunto eu, que se perde a si própria ou que é perdida por quem a ouve?


SEM: Esta é uma questão que se coloca no disco.


LM: Entendo. Não sei resolvê-la. Existe um caráter inegavelmente rapsódico nesta música, é claro. E talvez a rapsódia hoje como hipótese de hibridismo, como hipótese de tradição, como hipótese de justificação, no sentido da justeza e não da justiça, da presença do Blake a dar nome a este boi.


SEM: Você fala em rapsódia e eu lembro de rapsodos e penso numa possibilidade, talvez, de esse trabalho se configurar como uma hipótese de épica nos tempos atuais.


LM: Uma épica em estado de fracasso, não é?


SEM: Uma épica em estado de impossibilidade.


LM: A épica fracassa desde o século XVI, não é? E aí é interessante pensar no século XVI, que é o século que começa a perceber o barroco como o sentimento dos ocidentais – acabo de pensar num outro falso épico – , e diversos comentadores insistem numa barroquização do homem de agora, talvez uma barroquização um tanto romântica, ou romantizada...


SEM: Um excesso, talvez...


LM: Um excesso, mas sobretudo uma falta de lugar. Neste sentido, se alguém disser que esta música não tem lugar e não quer tê-lo, eu talvez não discorde.


SEM: Como você pensa a possibilidade da dificuldade de se ouvir a tua música? Como você se coloca diante da dificuldade de ouvir a tua música, do ouvinte que vai saltar de faixa, do ouvinte que não vai ouvir uma faixa que tem oito minutos, que tem vinte e três minutos?


LM: Desculpa, eu tenho que pensar no Pessoa. Não vou entrar nisto como deveria ou como poderia, mas eu “sinto com a imaginação”, “não uso o coração”. “Sentir? Sinta quem” ouve; pular a faixa? Pule quem ouve: é um problema dele ou um direito dele, eu não tenho, honestamente, a menor ambição de gerir, ou gerenciar, a audição do outro, isto é um trabalho do outro.


SEM: Você não negocia com o outro, então?


LM: Sim, mas na medida em o outro vai negociar com o trabalho que ouve, e vai negociar como quiser. E aí, pronto, ele que negocie. Isso me lembra o caso dum certo guitarrista – e é interessante este caso – que foi convidado a tocar conosco, antes de entrar no trabalho o Michael Machado, que é um músico extraordinariamente criativo e tecnicamente bastante bom, bom como o nosso percussionista, o Luizão Bastos, que era um músico extremamente experiente e aberto a este tipo de coisa que não era exatamente da formação dele. Mas o fato é que antes do Michael ingressar nestas fileiras, certo outro guitarrista foi convidado, ouviu este trabalho num registro ainda rudimentar, mas foi o bastante para que ele dissesse que não tinha condição emocional para fazer este tipo de música. Portanto, ele não se deu o direito – e não é o caso de direito, claro – , ele temeu passar da condição de ouvinte, que já lhe era insuportável, para a condição de executor. Se o ouvinte fizer o mesmo que esse rapaz fez, ou seja, se o ouvinte quiser abandonar mesmo que seja sua condição de ouvinte, que abandone. Eu só lamento que boa parte dos ouvintes que o fará será pelas más razões. Mas ainda assim as razões são dele.


SEM: Eu quero retomar, a partir daí, uma declaração tua em que você considera trabalhos de grande público como trabalhos “engana trouxa”. Eu queria que você situasse, dentro da perspectiva em que você se coloca como compositor, que tipo de honestidade você está trazendo com tua música.


LM: Talvez fosse o caso, antes disso, de tentar definir honestidade. Vamos tentar: honestidade em que sentido? Dum trabalho que se impõe ao autor, “a música me escolheu”, é isso? Ou um trabalho que não tenha como foco algo completamente exógeno a si próprio? Não sei. Se for isso, o trabalho de grande público é absolutamente idêntico àquele que vende objetos de utilidade doméstica. Mas os trabalhos que vendem objetos de utilidade doméstica, desde o final da linha, que é o vendedor, até o início, que é o fabricante, prometem uma utilidade doméstica, não é?, seja um sofá, uma geladeira ou um guardanapo. Quando a música vira geladeira, guardanapo ou sofá, ela só pode enganar trouxa quando promete ser música, tudo o que ela não é: ela só é música na medida em que é composta por aquilo que chamamos de notas musicais, e é tocada por aquilo que chamamos de instrumentos musicais, mas é qualquer coisa que não verifica seus próprios limites, é alguma coisa que não está minimamente interessada no novo, nem no tradicional... neste sentido, estando nós interessados nisso, talvez possamos dimensionar a nós próprios dentro dum universo um bocado mais, senão honesto, autêntico. Mas uma autenticidade do hibridismo, uma autenticidade impura, suja. Mas uma sujeira que é não é aquela que passa pelo guardanapo.


SEM: Você acaba de falar no novo: qual a relação de teu trabalho com o novo? É possível o novo?


LM: Não sei, mas é possível a outra coisa, no sentido da Fiama: “Por muito que a minha escrita decalque as páginas de fernando pessoa/ eu digo numa fissura do verso uma outra coisa”. A Fiama diz que procura, a gente também procura, se a gente acha resolve quem ouvir. Mas que acaba sendo uma procura, certamente acaba.


SEM: Eu queria que você falasse onde se coloca o silêncio na tua música.


LM: Num primeiro momento, o silêncio se coloca por ele próprio: existe um que outro silêncio neste disco, silêncio no sentido mesmo da ausência de som, e é uma coisa que a música ocidental nunca soube trabalhar: a música ocidental não traz para si o silêncio, não como exercício de fundação de sentidos. Talvez a música indiana o faça, mas eu não conheço música indiana o bastante para falar disso. O que eu acho muito interessante, pensando cinematograficamente, é aquilo que está fora da imagem, é aquilo que está à margem, e aí está excluído, da tela. Existe um silêncio que me parece interessantíssimo na música, que é aquele que se coloca entre a afinação da orquestra e o início do concerto, e aquele que se coloca no intervalo perigoso entre a última nota e o aplauso. No caso do disco, isso é menos recortável por causa dos sons do mundo, mas não deixa de ser interessante o momento que separa o premir da tecla “tocar” e o início da faixa, e o que separa o final da última faixa do primeiro suspiro daquele que acaba de ouvir.

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